Filósofo, escritor, professor… Quem é Cortella por Cortella?
Cortella é uma obra em construção. Sou pai, sou avô, sou marido, sou tio, sou filho, sou cidadão… sou muitos em mim, sem que eu me sinta dividido, porém partilhado. E a minha tarefa, nesta trajetória, é transbordar, escrever, dar aula, falar, ler, fazer comentários em rádio e em TV…
De todas essas multiplicidades de Cortella, qual lhe dá mais prazer?
Enquanto profissional, a docência. Em 1973, comecei como auxiliar e, depois, assistente. Agora, são 44 anos de docência. Quanto ao vínculo amoroso, a paternidade e a avosidade. Essas duas coisas permitem que a gente faça coisas incríveis. Sei que não sou imortal, mas posso ser eterno por meio disso.

Você declarou que vivemos um momento que pode nos levar à reinvenção. Como assim?
O Brasil vem vivendo uma alegria cívica. Vive, hoje, um aprendizado político que é importante para nos reinventarmos. Embora penoso e difícil, este é o momento para que tenhamos capacidade de fazer uma nação mais forte. Pode ser um momento de reinvenção ou também de retroação, isso dependerá da nossa audácia, inteligência e recusa à covardia. Eu não me angustio com o momento que vivemos, eu me preocupo. Mas a preocupação não tira a minha boa expectativa para que possamos, sim, homens e mulheres de bem, aqueles que são e precisam ser, de fazer algo que seja bom. Nós temos, hoje, uma ocasião especial, quase privilegiada, de não envergonhar a nossa geração. Que tenhamos um legado mais sólido e mais decente.
Como você vê o futuro do nosso país?
Tivemos um avanço imenso na área de educação escolar. Tiramos a educação brasileira escolar da UTI e amos para a enfermaria, mas não estamos de alta ainda. Em 30 anos, avançamos nessa área e também no o a alguns bens. É um indício de que nós podemos fazer melhor nas próximas décadas, mas isso dependerá da nossa capacidade de escolher, de um lado, governar e de outro cumprir com nosso dever como cidadãos e cidadãs, que não se resume ao momento da eleição. Seria muito supor que a ação política se dá só nesse momento. Ela acontece quando eu decido o que vou fazer com o óleo de cozinha ou quando interfiro na comunidade em relação à convivência, ao ruído e à organização. Se dá quando, por exemplo, na Raposo Tavares congestionada, em vez de imaginar “poxa, vamos nos organizar e fazer uma demanda perante o governo estadual para que seja construída uma perimetral na região, ou outra forma de o sem degradação do ambiente”, já pensa “que horror, alguém tem de fazer alguma coisa”. Esse “alguém tem de fazer alguma coisa” faz com que a pessoa se coloque de fora. Essa é uma prática pouco cidadã.
É uma questão de cidadania, pois política se faz diariamente…
Algumas pessoas opõem política e cidadania, supondo que uma é menos nobre e a outra mais elevada. Mas esquecem que política e cidadania são a mesma coisa, uma em grego e outra em latim. Política e cidadania estão conectadas. Política não é só partidos, partidos são apenas um pedaço. Política é, sim, a vida na comunidade! A nação que teremos dependerá do nível de inteligência e coragem que tivermos.
E o cenário político internacional?
Complexo, porque temos variáveis que interferem diretamente. Há algumas décadas, a interferência recíproca entre as nações se limitava um pouco ao mundo dos negócios. Hoje, não! Tudo é tão interligado que uma mudança na China, em relação ao PIB deles, pode interferir no nosso cotidiano. Essa condição de interferência é novidade. Com as navegações no século XVI, vivemos uma forma de mundialização. Quando a Europa parte do mundo Asiático Oriental em direção ao restante do planeta, tivemos a percepção, pela primeira vez, do que significa humanidade. Até algumas décadas atrás, a noção de humanidade era restrita aos lugares em que se estava. Mas hoje temos uma visão de mundo que integra os ursos-polares e os pinguins. A oscilação dos nossos recursos, as alterações das convicções religiosas e políticas e essa forma brutal de convivência podem nos colocar em alerta.
Em tempos de globalização, que lugares têm a solidariedade e o respeito ao próximo?
A solidariedade precisa ser olhada como a grande capacidade humana de convivência. O homem primitivo só sobreviveu às dificuldades porque implantou a ideia da cooperação. Se o homem do nosso ado mais primitivo fosse alguém marcado pela lógica, que alguns hoje carregam, de que é cada um por si e Deus por todos, nossa espécie teria desaparecido. A ciência calcula que, se fôssemos seres que vivessem isolados, sem cooperação ou solidariedade, como outros animais, seríamos 10 milhões de indivíduos, no máximo, no planeta todo. Hoje, somos 7 bilhões, e isso é possível porque juntamos forças. A regra está dita: tem quer ser um por todos e todos por um. Afinal de contas, vivemos em condomínio. Eu não vivo em um domínio, eu vivo em um condomínio. O domínio, meu lugar, aquilo de que eu sou proprietário, é só um pedaço conectado em outro. A solidariedade é decisiva para que a gente não degrade nossa condição de vida coletiva. Ao contrário do que muita gente imagina, a palavra solidariedade vem do sólido, e não de solidão. Enquanto solidão significa isolamento, solidariedade dá solidez à vida da comunidade. Como nós, como espécie, temos de viver de maneira integrada, a solidariedade é mais que uma virtude, é um princípio de inteligência e sobrevivência. Uma pessoa afastada dessa perceptiva perecerá no isolamento.
Em tempos de tecnologia e meio digital, que lugar têm as relações humanas?
Você tem uma maçã e eu, uma faca. Posso usar a faca para repartir a maçã e nós dois aproveitarmos. Ou posso usar a faca e tomar a maçã de você. Nesse sentido, a questão não é faca, mas a intenção de quem usa. Com a tecnologia acontece o mesmo. Ela pode aproximar ou distanciar. Precisa, como o álcool e outras coisas na vida, ser usada com moderação. Não podemos ser propriedade da nossa propriedade. A relação com a tecnologia não pode ser de formatofobia, que é o pânico a esse mundo, nem de formatolatria, que é a adoração ao mundo digital. Tecnologias poupam o nosso tempo e nos liberam para fazer o que gostamos e com mais intensidade. A tecnologia permite que eu possa me locomover com facilidade ou que eu converse com meus netos que moram fora de São Paulo. Nessa hora, ela aproxima. Mas em outras pode distanciar. Igual a uma faca que pode partilhar a maçã ou servir para roubá-la. Por que minha casa na Granja Viana não tem nada de eletrônico? Não é porque eu seja contrário, pois, afinal, em outros lugares eu uso. É porque lá quero a convivência com os humanos.
Já que você falou da Granja Viana, fale-nos da sua relação com o bairro.
Eu e a Claudia, descendentes de italianos e libaneses, temos a partilha de família sempre como uma grande comunidade. E por essa razão direta, em 2014, depois de muitos movimentos pelo mundo, escolhemos um lugar aqui na Granja Viana para serenar, de um lado, o trabalho cotidiano e, do outro, ter um espaço para a família. É o lugar de “vamos viver”. Tem uma mesa comprida em que cabem 14 pessoas, um fogãozinho a lenha e uma casa organizada para a convivência. Não tem nada eletrônico. Todas as pessoas que vão e ficam conosco sabem que não podem levar computador ou tablet, ou baixar arquivos no celular. A única distração, fora nós mesmos, são os livros. Temos uma pequena biblioteca e um salão de leitura. Como a Granja tem um território de muitas árvores, em frente e ao lado da casa há uma mata, nesse espaço nós vivemos momentos de convivência. Conversamos, cantamos, jogamos truco, brincamos com os netos, cozinhamos juntos… Uma coisa que eu gosto bastante quando estou na Granja é ver o Sol nascer entre as árvores.
E por que escolheu a Granja?
Porque é um lugar que, primeiro, tem uma proximidade com a minha casa em São Paulo. E segundo porque ainda tem uma espécie de área pulmonar em relação ao meio ambiente, que é muito propício… tem tucano, cobra, macaco, aranhas. Esse nosso cantinho tem um nome: Paca Tatu. Sou de Londrina, no Paraná, e lá brincávamos de “paca tatu cutia não”. E como a casa fica entre São Paulo, Osasco e Carapicuíba, mas Cotia não… Esse lugar de nome afetivo, o Paca Tatu, não é onde nada pode; ele é um lugar onde tudo pode, menos o que é proibido. O que é proibido? Perturbar a vizinhança, atirar lixo em vez de guardá-lo, não fazer o reciclável, não promover ali uma convivência decente…
Qual é a maior provocação filosófica da atualidade?
O caminho que queremos em relação à capacidade coletiva de vida. Eu preciso lembrar que, na existência sou único, mas não exclusivo. Não há ninguém como eu no universo, nunca houve e nunca haverá, mas não sou exclusivo em relação a humanos nem em relação a outras formas de vida. Aliás, a vida nem depende de nós, ela já existia bilhões de anos antes e continuará existindo independentemente de nós. Somos seres importantes, mas não essenciais. Há uma frase estranha, que por aí circula, que diz que ninguém é insubstituível. Isso não é verdade! Ninguém é substituível. O que pode ser substituído é o que eu faço, mas o que eu sou ninguém foi, ninguém é e ninguém será. Eu sou um arranjo inédito da vida, mas não sou só eu. Todos os outros também o são. Nesse sentido, o grande desafio é conseguir equilibrar a nossa individualidade em meio à vida em comunidade.
Você nos leva a refletir que, como diz em uma de suas obras, se não existíssemos, que falta faríamos…
Fazer falta significa que a vida não pode ser banal, fútil, inútil, superficial ou descartável. Não precisa ser uma pessoa famosa, mas uma pessoa importante que os outros levem para dentro deles. Eu quero fazer falta, e isso significa que eu quero que as pessoas, durante a minha vida, me levem para dentro delas e, quando eu me for, elas continuem me carregando. Assim como Drummond dizia, ando inclinado, abalroado do lado esquerdo, porque trago no meu coração todos os meus mortos.
E que falta você, Cortella, acha que fará?
Como eu sou escritor e professor, parte das pessoas que encontro me faz um afago dizendo “olha, esse livro que você escreveu mudou meu modo de pensar para melhor” ou “olha, eu fui seu aluno há 35 anos e um dia você falou uma coisa que me ajudou imensamente”. Eu acho que, cada vez que alguém anuncia essa possibilidade, eu sinto que vou fazer falta. Isso, se eu não cometer equívoco sério até o fim desta trajetória. O fato de eu ter, até agora, uma vida que me dá satisfação e orgulho de ser decente, não significa que eu não tenha que cuidar, porque eu posso deixar de sê-lo. Nós somos capazes de ser, com a liberdade que temos, angelicais ou demoníacos. De fazer grandes benefícios e grandes malefícios. Sempre digo que não é a ocasião que faz o ladrão, a ocasião apenas o revela. A vida é feita de escolhas e terei que fazer, para mim, boas escolhas para que um dia faça falta.
Como deixar filhos melhores para o mundo?
Se formos capazes de criá-los dentro da liberdade e da autonomia e eles compreenderem que a liberdade é algo que tem de ser disciplinado. E, acima de qualquer coisa, entender que eu e você somos autônomos, mas não somos soberanos. Um filho tem que ter autonomia, mas não é soberano. A pessoa autônoma é aquela que faz o que deseja no ato de sua liberdade, sem comedir com as relações que mantém com os outros e com o mundo. Já uma pessoa soberana é aquela que faz o que quer, independentemente de os outros existirem. Nós temos que formar filhos e filhas que sejam autônomos no pensamento e na reflexão, mas soberanos jamais. Temos que formá-los para existir em um ambiente onde tudo é possível, mas não obrigatório. Não é porque há pessoas que fazem o que não devem que será umsalvo-conduto para que eu também o faça.
Você já declarou, em algumas das entrevistas, que os pais estão sendo covardes na educação de seus filhos.
A família é uma estrutura participativa, em que o pai ou a mãe pode consultar aqueles sobre quem eles têm autoridade e responsabilidade, mas não é uma democracia. Uma democracia supõe igualdade de direitos e deveres. Quando eu tenho uma pessoa sob a minha tutela, tenho sobre ela autoridade. Eu não posso ser autoritário, mas tenho que exercer autoridade. E há pais e mães que acabam fazendo uma consulta em uma família, que vive uma assembleia contínua. Tem que ter cautela para não enfraquecer, mas não pode ser leviano na autoridade. Sem brutalidade, tem que ter firmeza, disciplina e autoridade. Aliás, uma das ideias que eu mais recuso, e tenho até livro que trata desse tema, é a de que o amor aceita tudo.
Aceita?
De maneira alguma! O verdadeiro amor tem requisitos e exigências. O amor que tudo aceita é irresponsável. O amor complacente não é amor. É, sim, leviandade de convivência. É porque eu te amo que eu não quero que você faça aquilo que é equivocado fazer!
Você acha que a nova geração tem um nível de consciência maior?
Sem dúvidas, em relação à tolerância e à capacidade de convivência. Mas, para outras coisas, ainda não tem percepção da ideia de esforço e de dedicação mais intensa. Falta a ela a honestidade de separar a pressa de velocidade. Velocidade é uma forma de competência, pressa é uma forma de equívoco. Fazer velozmente é diferente de fazer apressadamente. Para conviver e fazer carreira, precisa ter velocidade, mas não pode ter pressa. Nós temos que nos educar para termos mais paciência. A instantaneidade é perigosa. Pessoas imediatistas, muitos jovens, querem sempre de imediato a resposta prazerosa, e isso é muito arriscado porque, para você ser um bom profissional, precisa de um tempo de reflexão, de ação e monitoração.
Você acha que a sorte sorri para todos?
A sorte sorri para todos, o tempo todo. A questão é se você está com o rosto voltado para ela quando ela estiver sorrindo. No entanto, a noção de sorte é aquela da ocasião aproveitável e quando você tem iniciativa. Se você for buscar no pântano, é no pântano que você vai encontrar. Se você está em uma montanha, é na montanha que você vai encontrá-la. A sorte sorri, mas há pessoas que, mesmo quando ela sorri, não têm essa coragem para ir buscá-la. Não é coragem que segue a sorte, é a sorte que segue a coragem.
Falando da questão de sorte, inevitavelmente, acabamos entrando em uma questão espiritual também. Você acha que todo homem precisa ter uma crença?
Não existe, no relato da história, alguém que não tenha crença em algo. Pode ter crença no amor, na amizade, na afetividade. A crença não está conectada diretamente à religião. A religião é uma das formas de crença, mas não se deve misturar religião com religiosidade. Religiosidade é uma percepção de reverência à vida, de que ela não é mera banalidade e que se esgota na morte da matéria. Religiosidade, ou espiritualidade, envolve qualquer pessoa que pode senti-la em um abraço, um afago, em um pulo de um cão que te recebe ou na flor que exubera perto de você. Não existe ninguém com religião que não tenha religiosidade, mas há muitos com religiosidade que não têm uma religião. Nesse sentido, nessa época do ano, temos o Natal, que é uma festividade cristã – e o mundo cristão é de um bilhão e meio de humanos, isto é, quase um terço do planeta tem essa mesma partilha de uma forma de religião –, mas é lembrada por outras pessoas que venham a ter essa religião ou não. Porque é sempre bom lembrar-se do nascimento de alguém, cuja prédica foi a ideia de fraternidade. Você pode não comemorar o Natal como o nascimento de Jesus Cristo, mas pode comemorar como o nascimento de Jesus de Nazaré, a figura histórica que pregou o amor. Eu conheço muitas pessoas que não têm a prática cristã, mas não deixam de se lembrar do Natal como momento de convivência familiar. Há pessoas que não têm religião alguma, mas que não perdem a ocasião de fazer do período natalino um momento de pensar na fraternidade mais sincera.
Qual é a sua religião?
Atualmente, eu não tenho religião. Tenho religiosidade. Mas tem um leque de religiões pelas quais tenho alguma simpatia, mas a minha fonte original é a religião cristã católica. Eu não direi que sou católico porque, para isso, eu deveria estar na igreja dos católicos, dentro das suas regras. Digamos que, no meu voltário de vida, o católico tem uma presença mais forte na minha formação, mas isso não indica que eu seja católico.
Você morou em um convento, certo?
Eu tinha necessidade, aos 14/15 anos, de fazer uma experiência religiosa que fosse mais densa, não superficial. O tema da religião sempre me interessou e eu quis buscar alguma forma de convivência, onde isso poderia ser pensado melhor. Fui monge e tive uma vida de monastério, fazendo universidade ao mesmo tempo. Uma vida conventual com tudo aquilo que envolve a partilha de bens e a ausência de propriedade. Depois de três anos, percebi que aquela experiência já estava de bom tamanho, era suficiente, e eu queria seguir adiante com a minha trajetória, mas sem aquele tipo de vida clerical ou humanacal. A religiosidade teria presença na minha vida, sim, mas não dentro de uma instituição com grade religiosa, sendo alguém do clero.
Dessa experiência, o que trouxe para sua vivência diária?
Muita coisa. A vida com a comunidade, a percepção de uma família ampliada que extrapola o laço sanguíneo e a grande capacidade de disciplina. Você tem que ser metódico em relação aos descansos, à produção, à capacidade… A vida bem disciplinada, sem que me constrangesse ou que fosse para mim um dano, é uma das grandes heranças que tive e aprecio imensamente. Outra é o desapego em relação a várias coisas. Eu não só não tenho carro como também não dirijo – e nem carteira de motorista tenho. No Paca Tatu, tenho a possibilidade de ficar com a família sem grandes objetos, exceto o que é o essencial para a convivência.
E diante da vida de clausura, o que você pensa sobre o ensino religioso nas escolas?
A Constituição Brasileira coloca a obrigatoriedade do ensino religioso para a escola e a escolha por parte do aluno e da família. É facultativo. Mas que esse ensino não seja catequético, isto é, não seja olhado por uma única forma religiosa. Nesse momento, o Supremo Tribunal Federal abriu a possibilidade de que ele esteja na direção de uma religião e que a decisão caberá ao Estado. Eu não acho conveniente porque em uma república você precisa respeitar a diversidade de um espaço laico, o que não é ateu. Se você fizer um panorama do número de práticas religiosas que se tem e que teriam o direito de se candidatar a ter ali a sua disciplina, elas ultraam 300. Independentemente dessa questão operacional, tem outro ponto: a temática da religião e da família não pode ser uma tarefa do poder público como formação, porque é uma questão de foro íntimo. Por isso, não pode não haver na escola o ensino sobre as religiões. O ensino de uma religião específica, para mim, é estranho à ideia republicana. Sou favorável ao conteúdo das religiões aparecer na escola, mas não de maneira direcionada catequética como a discussão da conversa.
Quais são os rumos da educação brasileira?
Nós não temos ainda clareza. O Brasil depende, para uma educação mais elevada, de financiamento público de larga escala. Claro, é para isso que se paga tributo, mas aquilo que a corrupção leva no cotidiano é tão grande que nós só poderemos dizer que o Brasil investirá mais na educação escolar quando formos capazes não só de estancar essa hemorragia corrupta, como também de fazer com que haja a devolução e o estorno de boa parte dos recursos. Qualquer anúncio sobre a rota seria leviano. Não dá, ainda, para ver. Outro dia me perguntaram quem eu achava que seria candidato a presidente em 2018. Respondi: quem não estiver preso.
Qual é o propósito da vida?
Sermos capazes de reverenciar o mistério e a dádiva que ela é para nós. Eu não sei por que vim e nem por que partirei. Enquanto aqui estiver, que essa não seja uma vida descartável, inútil, fútil e banal. Não fui eu que produzi a minha vinda e eu, voluntariamente, não quero partir, mas enquanto eu cá estiver, naquilo chamado de travessia, o propósito é não desperdiçar essa dádiva que é a existência.
Qual é o segredo para o sucesso?
A capacidade de ter três grandes virtudes: generosidade mental, coerência ética e humildade intelectual. Isto é, ensinar o que sabe, praticar o que ensina e perguntar o que ignora. Se você é capaz disso, você tem sucesso. O sucesso não pode ser avaliado apenas em retorno financeiro, ele tem de ser avaliado como sendo aquilo que faz com que a tua vida e a vida alheia não se degradem dentro da convivência. Não tem a ver com patrimônio material, tem a ver isso com minha capacidade de imaginar o quanto eu sou partilhado e me partilho e o quanto que eu consigo estruturar com pessoas. Com a vida, há uma relação de afetividade, uma relação de simpatia e de conexão que, para mim, é sinal de sucesso. Eu não quero esquecer a advertência que meu avô italiano fazia, pelo menos uma vez ao mês: o que quer na vida – ser o mais rico do cemitério?
E o segredo da felicidade?
Não há um segredo. Aliás, a Mafalda, personagem do Quino, tem um quadrinho que é genial. Ela se aproxima de um chaveiro, em Buenos Aires, e diz pra ele: “Por favor, qual é o segredo da felicidade?”. E ele responde: “Pois não, a senhora me mostra o modelo”. E ela termina dizendo: “Velhinho, espera que eu estou indo”. Ou seja, não há um segredo. A felicidade não é um ponto futuro. Ela é uma ocorrência e uma circunstância virtual que não vem sempre, mas vem e não fica o tempo todo. Mas por que vai embora? Vai embora, mas não deixa de voltar. Quando a felicidade vem, mesmo que seja pouco ou poucas vezes, eu não posso deixar de abraçá-la, afagá-la e cuidar dela. Uma pessoa que se coloque feliz o tempo todo não é feliz, e sim tonta. A vida coloca circunstâncias que não item uma felicidade contínua. E a gente só consegue fluir e perceber a felicidade justamente porque ela não é continua. Quando ela vem, a gente abraça. Quando sai, a gente vai buscar. Não tem um segredo.
Para finalizar, uma mensagem para nossos leitores.
A vida tem que ser partilhada. Aquilo de que você é parte, você multiplica. Aquilo que você divide, você diminui. Por exemplo, tenho sobre a mesa um bolo e, se eu for dividir pelo número de pessoas, cada um vai ficar com um pequeno pedaço. Mas se eu repartir, cada um ficará de acordo com a sua necessidade. Quando eu reparto, eu multiplico. E a vida é assim: vida é partilha e partilha é a capacidade de saber o que nós precisamos e ir além de nós mesmos. Como eu disse no ponto de partida, nós somos únicos, mas não somos exclusivos.
Por Juliana Martins Machado