O consumo de medicamentos no Brasil atingiu um patamar impressionante em 2024. Segundo dados da Pesquisa IPC Maps, a população desembolsou mais de R$ 215 bilhões com itens medicamentosos ao longo do ano; crescimento de 9,5% em relação a 2023. O valor recorde acende um alerta sobre o uso racional desses produtos e a necessidade de se investir em prevenção e promoção à saúde.
“O dado impressiona, mas não surpreende, especialmente ao considerar o contexto do país onde a automedicação é um hábito comum e fatores culturais, econômicos e estruturais contribuem para que o uso indiscriminado de fármacos se mantenha”, observa Ana Carla Broetto Biazon, pós doutora em Ciências Biológicas e coordenadora do curso de Farmácia do Centro Universitário Integrado de Campo Mourão (PR).
Riscos à saúde
Segundo Ana Carla, a prática da automedicação – inclusive com remédios de venda livre – representa um risco significativo para a saúde. Isso porque, mesmo os considerados mais simples podem causar reações alérgicas, efeitos colaterais e intoxicações. “Além disso, a automedicação pode mascarar os sintomas de doenças mais graves, retardar o diagnóstico e o tratamento adequado”, alerta.
A facilidade de o aos medicamentos sem prescrição, aliada à dificuldade de o a consultas médicas, contribuem para que muitas pessoas recorram à farmácia como primeira alternativa. Propagandas que estimulam o consumo de analgésicos, antitérmicos e outros itens reforçam a prática indevida que pode custar no bolso e na saúde.
Um exemplo citado pela coordenadora é o uso contínuo de anti-inflamatórios não esteroidais, que podem causar sérios danos gastrointestinais e renais. Os analgésicos, por sua vez, quando ingeridos indiscriminadamente podem causar problemas hepáticos. “Mesmo sendo comercializados sem a necessidade de receita médica, esses medicamentos devem ser usados com orientação de um profissional farmacêutico ou médico”, reforça Ana Carla.
“O uso indiscriminado de medicamentos, sem orientação e acompanhamento médico, pode levar à dependência química e fazer com que haja resistência aos antimicrobianos. Da mesma forma, quem para de ingerir os medicamentos antes do tempo prescrito acaba mantendo vivo o agente causador da infecção. Cuidar da saúde exige responsabilidade”, complementa a doutora em Ciências da Saúde e coordenadora pedagógica do curso de Medicina do Integrado, Taísa Rocha Navasconi Berbert.

Mudança de hábitos
Diante desse cenário, a especialista defende que a melhor forma de reduzir o consumo de medicamentos é evitar que a doença se instale. E para isso, não há um caminho que não e por hábitos de vida saudáveis.
“A alimentação equilibrada e a prática regular de exercícios físicos são fundamentais na prevenção das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares”, explica Ana Carla.
Segundo Ana Carla, pequenas mudanças na rotina podem ter impacto significativo na saúde a longo prazo. “Evitar o consumo excessivo de sal, açúcar e alimentos ultra processados, praticar atividades físicas com regularidade, dormir bem, controlar o estresse e manter uma rotina de exames preventivos são algumas das atitudes recomendadas”, destaca.
Além disso, ações simples como caminhar diariamente, substituir alimentos industrializados por opções naturais e reservar momentos para o lazer e bem-estar contribuem para a qualidade de vida e diminuem a necessidade do uso de medicamentos contínuos.
Educação e orientação
Outra frente importante na redução do consumo excessivo de medicamentos está na educação em saúde. Segundo a pós-doutora em Ciências Biológicas, a população deve ser constantemente informada sobre os riscos da automedicação e orientada sobre como cuidar melhor do corpo e da mente. “Iniciativas de conscientização em escolas, empresas e comunidades podem ter efeito multiplicador, promover um comportamento mais responsável e saudável”, analisa.
Nesse contexto, o farmacêutico assume um papel fundamental. Presente nas drogarias e ível à população, esse profissional pode orientar sobre o uso correto dos medicamentos, identificar sinais de consumo inadequado e encaminhar o paciente ao serviço médico, quando necessário.
“Reduzir os R$ 215 bilhões gastos com medicamentos não significa restringir o o ao tratamento, mas sim estimular a prevenção e o uso consciente. Trata-se de um desafio coletivo, que exige ações coordenadas entre profissionais da saúde, poder público e sociedade. Enquanto o remédio certo, na dose certa e no tempo certo, pode salvar vidas, o uso indiscriminado traz riscos que muitas vezes poderiam ser evitados com informação, apoio profissional e uma rotina mais equilibrada”, conclui Ana Carla Broetto Biazon.