O calor extremo que dominou o Brasil recentemente não apenas quebrou recordes de temperatura, mas também trouxe à tona discussões sobre o aquecimento global, ecoando no mundo do vinho. Nesse universo secular, a influência das mudanças climáticas se revela de maneira marcante. À medida que o clima da Terra se transforma, viticultores se deparam com desafios inéditos, obrigando-os a repensar métodos antigos e a abraçar inovações para garantir a qualidade e a sustentabilidade da produção vinícola.
As mudanças afetam diretamente as videiras, impactando temperatura, pluviosidade e padrões de vento. Regiões vinícolas enfrentam mudanças imprevisíveis, resultando em safras irregulares e, por vezes, em eventos climáticos extremos prejudiciais às uvas. O calor intenso, por exemplo, compromete o equilíbrio das uvas, afetando a estrutura e o teor de açúcar desejado para a produção de vinhos de qualidade.
Além disso, os novos padrões climáticos têm contribuído para um aumento preocupante nos incêndios florestais em regiões produtoras de vinho, como os devastadores eventos na Austrália e nos Estados Unidos. Vinhas frequentemente se encontram no epicentro desses desastres, resultando em danos irreparáveis e influenciando a qualidade das uvas, uma vez que a fumaça pode impregnar e penetrar as cascas, afetando o sabor e a composição química dos vinhos.
Para enfrentar esses desafios, os viticultores estão adotando práticas adaptativas inovadoras. A seleção de cepas mais resistentes ao calor, aprimoramento de técnicas de irrigação e mudanças nas datas de colheita são apenas algumas das estratégias. Além disso, a busca por novas regiões, mais frias, vem transformando o mapa geográfico do vinho, expandindo suas fronteiras a regiões e países onde antes era simplesmente impossível cultivar uvas adequadas para a produção do vinho. Os exemplos são globais. Produtores de Argentina e Chile estão levando a produção cada vez mais ao sul, para Patagônia e para regiões mais altas ao longo da Cordilheira dos Andes. Na Austrália,
marcas de vinho da região de Victoria começaram a desenvolver vinhedos mais ao sul do país, na Tasmânia. Os espanhóis sobem a cadeia de montanhas dos Pireneus atrás de terroirs mais frescos, enquanto países como Inglaterra, Canadá e Dinamarca começam a despertar para o vinho.
A relação entre vinho e clima está em transformação. O desafio imposto pelas mudanças climáticas impulsiona a indústria vinícola a uma reinvenção contínua, estimulando a adoção de práticas mais sustentáveis e inovadoras. Nessa sinergia entre viticultores, enólogos e consumidores, vislumbra-se a esperança de que o vinho continue encantando paladares pelas próximas gerações.
PAULA PORCI
Consultora, palestrante e colunista de bebidas
Juíza de vinhos Sommelière de vinhos ABS-SP e AIS-FR
Fundadora da Confraria das Granjeiras